se for teu coração um rei ruim, cruel a se rir do bufão que agora te corteja por já saber seu fim, amargo feito fel pois que o tens em tuas mãos - escalpo na bandeja
se for teu coração um orixá propício a devorar, faminto, as oferendas todas reunidas no ebó - primícias que te arrio juntando nós e dós, entre outras tantas loas
se for teu coração a gueixa sedutora de cujos toques fogem os homens tidos fracos porque lhes rouba a alma enquanto entregam a tora depois lhes chupa o sangue enquanto catam os cacos
se for teu coração somente um espião espreitador da dor de ser tal como sou mas sem saber medí-la ou lhe aplicar unção apenas e tão só ouvidos de ouvidor...
se for teu coração um Cristo em sacrifícios vagando no deserto, em luta com demônios, a redimir do Mal a flor de seu ofício a celebrar da fé seus cânticos tirânicos
se for teu coração um Buda em mal estado aflito de silêncio, as pernas retrançadas longe do mundo os pés, embora em Deus sentado no bucho, mucho arroz, porém a paz minguada
se for teu coração um bispo inflexível terror e contrição, a extrair do Evangelho o traje de vestal, retidão intangível, que ao lobo põe em tez, implausível, de ovelha
se for teu coração um mestre japonês por certo um mandarim, calçado em seus tamancos um frio olhar vazio mirando o meu talvez espadachim atroz... um cobrador de prantos!
se for teu coração um lutador shaolin externo e mais veloz no domínio do Chi discípulo do Tao, mas não tal como a mim tão lento e gradual a escorregar por ti
ó Buda mal sentado! a mim penitencia ó Cristo! sacrifica a escama deste peixe ó meu doce espião! entrego-te os segredos ó lutador shaolin! que o Tao nos abençõe
ó mandarim vazio! ressarço-te com lágrimas ó bispo inflexível! eu juro por teus livros ó orixá faminto! aceita meu ebó ó rei ruim, cruel! perdoa teu bufão
concede ó coração! a graça de entrevê-lo dize-me de ante-mão o Não que não me atrevo ensina-me a lição de tê-lo sem detê-lo antes queu vá, em vão, em busca de entrevero
ó gueixa sedutora! eu rogo por minha tora!
porém não sendo rei nem orixá propício um pífio mandarim ou Cristo em sacrifícios e nada disto, enfim... nem lutador shaolin nem Buda, bispo ou gueixa, ou mesmo espião
se fores tu não mais que um coração, um laço acolhe-me, então, em teu colo e regaço empresta tuas mãos ao campeão chinfrim que, curvo, se apresenta... e sonha tua presença
ao longo de uma vida, ao longo de seus trevos um campeão vencido... ou melhor, um peão cujas fraqueza e força estão, pois, no entrevero da amizade, do amor, do sexo, da paixão...