(para Sérgio Vieira de Mello in memoriam)

Bebo o azul do céu
No esplendor da tarde de inverno
Em minha Friburgo natal
O sol cumula meu peito
De um calor ameno sob a lã
Na sesta do almoço...
Enquanto isso, Sérgio Vieira de Mello
Morre soterrado no Iraque
Sob a ira da resistência à ocupação estrangeira
Mais um pouco e crianças judias
Explodem com o rapaz-bomba palestino
Em um ônibus que cruza Jerusalém
Sob o ódio suicida de um povo exilado ao próprio solo...
A tarde escorre
O sol se esconde
Também eu me escondo à galeria
Por trás da tela
Somos mais tristes
Os homens pós-modernos
Pós guerras
Pós bombas
Pós fomes
Pós epidemias
Pós tudo
Somos mais tristes
O sorriso brota irresponsável
A alegria advém estupefaciente
Sustenta-na o vazio
Oco do peito sem bússola
Que voz ouvir do coração
Num mundo assim
Que mata assim
Que morre assim
Sem pensar nem sentir
Por impulso
Puro desespero
Face a impossibilidade definitiva
Da esperança?
Somos mais tristes
Mais sabidos e mais tolos
Mas, sobretudo, tristes
Sem o buquê da espontaneidade
Sem o mimo da autenticidade
Sem o sopro gratuito da inocência
Somos mais tristes
Perplexos, incertos
Engolimos a morte
Como o sapo papa o inseto
Vivemos um mundo
De refugiados
De excluídos
Minas terrestres nos calcanhares africanos
Multidões colossais
Sob a bandeira de multiterrores
Vagueiam pelo planeta
Sem rumo
Qualquer esforço sincero de reflexão
Resvala às trincheiras da vacuidade
Nenhum pensamento humano
Fará deter a insanidade humana
Estamos condenados a nós mesmos
Sabemos todas as receitas
Conhecemos todos os remédios
Possuímos todas as respostas
E ainda assim
Tudo seguirá desmoronando
Sob o ódio dos explosivos
Palavras vãs recordarão o óbvio reiterativo
Algo, contudo, nos quer em conflito
Mas, o quê?
Todos sabem
No íntimo, cada um de nós sabe
E o mundo segue seu curso
Rumo à colisão adiada
Porque não temos como deter a tempo
Esse bicho que se alimenta
      [de sua destruição desvairada