Não! Não sou o fracasso completo Que ao espelho me vejo Minha filha me ama e diverte-se comigo Como se fora o pai provedor de minhas expectativas Minha mulher insiste em meu ombro vazio Não obstante esteja de quatro entre suas pernas Alguns amigos saúdam-me Com saudade e amor sinceros no afago da voz Posso tocar estes afetos No éter de minha história Preciso crer, desesperadamente Que o céu nublado Na manhã depressiva Não é o acúmulo de nuvens De meus erros sucessivos No tatame social Golpes tantos que me levam à lona Crimes todos que já os vou pagando por aqui mesmo Não esperei a morte Para purgar meus monstros Mordeu-me em vida o cão da inércia Quebrou-me a espinha a serpente do desejo
Não! Não sou o fracasso completo Que ao espelho me vejo E nem sou também Essa fome absurda de sexo A satisfazer-se com empregadas domésticas E secretárias E desocupadas Aos banheiros públicos E caixas automáticos de banco Sou um homem! Por Deus, sou um homem! Com ratos escondidos ao armário, sim Com gatos no cio ao telhado da casa, sim Sou um homem, porém À luz do espírito Mais que este horror ao espelho Onde desabam todas as falhas As doenças todas da família Incompetências Insanidades Pavores Não! Eu sou melhor do que ao espelho! Eu sou melhor do que me vejo! Sou também a soma de meus sonhos A multiplicação de minhas esperanças Sou por fim minha própria intenção de ser
Este sangue nas mãos O filho roubado Os amores partidos Não! Não sou o fracasso completo Que ao espelho me espeta Repita comigo: eu me respeito! Eu sou meu amigo! Não! Não sou o fracasso completo Que ao espelho me vejo Repita comigo: eu me amo! Eu me revejo!...