Elegia de uma partida
fecham-se teus olhos azuis
um pedaço do céu que escurece
mal posso crer, ó mãe!
que te devolvo à terra
essa mãe de todas as glórias
que se resumem ao chão
fecham-se teus olhos azuis
abertos em meu coração
retocados por uma ausência infinita
perduras em mim, intocável:
mais luz em teu sorriso
mais grandeza no gesto revisto
ainda mais belo o teu rosto
tudo agora são lembranças
que guardo - guardamos - de ti

nunca mais o aceno à janela,
              [na minha partida
nunca mais café preto na chegada
ou a taioba refogada de modo habitual
o beijo ao telefone
os gatos no quintal
nunca mais teu feijão
nunca mais ouvir-te
contrito e confortado
pela força da oração
nunca mais tua coragem
nunca mais tua altivez
nunca mais tuas verdades - tão falantes!
e uma bondade sem talvez
nunca mais os passos na ponte
de volta à casa, depois da missa
nunca mais comunhão
aos enfermos, rifas, enxovais
nunca mais palavra escrita
reuniões na pastoral
nem visitas aos hospitais
ou artigos no jornal
nunca mais encontrar-te
pelas ruas da cidade
              - conhecidos a cada esquina!
nesta Friburgo que é tua, desde menina
nunca mais Lumiar,
Floresta ou Barra do Sana
nunca mais tua voz humana
a repicar a festa da voz divina
teu sorriso iluminado
a saltar do sofrimento
nunca mais teu sentimento
vertido em mar de lágrimas
nunca mais tua benção
com o beijo matinal
nunca mais nada disso, ao certo
nem mesmo os discos do Roberto
              - meu presente de Natal
nunca mais quermesses
campanhas do quilo
novenas, preces, isto ou aquilo
tudo nunca mais!
nunca mais em família
nunca mais a Tia Lília
nem dia das mães também
nunca mais violetas em flor,
ó samambaia chorona!
para sempre, apenas o amor
essa virtude fujona
que tanto se esconde ou evade
para sempre, apenas a saudade
lenitivo da dor, luz acesa
              [na memória
tua sina aqui termina
mas para sempre em mim a glória
de ter contigo compartido
tanto a vida quanto a morte
e o que há entre uma e outra
              - túmulo, tumulto, manjedoura...
eis toda a minha sorte, e sentido:
uma história a ser lembrada
um exemplo a ser vivido
fecham-se teus olhos azuis
despertos em meus sonhos mortais
assim, diviso para sempre
o que de outro modo não veria
              [nunca mais

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