Dos filhos ausentes

filhos vão
com a vida por seus desvãos
trocam de cidade
fazem cruzeiros
são mochileiros
perdidos neste mundão
são altas patentes
rodando o país inteiro
são gerentes bancários
em busca de promoção
são caminhoneiros
todo dia na estrada
aventureiros que furam continentes
diplomatas longe de casa
guerrilheiros clandestinos na mata
traficantes escondidos nos morros
fugitivos da Justiça
são caixeiros viajantes com seus amores
são marinheiros mercantes
são mascastes qual vovô

filhos não morrem, mãe
filhos são, no máximo, ingratos
desligados — é melhor!
são relapsos, egoístas
esquecem-se de ligar
não passam telegrama
filhos falham, ó mãe
atrasam-se
trocam datas
mas morrer — não morrem
pois morrer não pode
o que vive em ti

filhos desaparecem
não dão noticias
são correspondentes de guerra
em missão no estrangeiro
astronautas em órbita da Terra
bandeirantes, garimpeiros
como foi papai

filhos trocam-nos
por melhores pais
filhos magoam, atormentam
envelhecem nosso rosto
prateam-nos os cabelos
odeiam-nos por nossas fraquezas
dizem-nos palavras duras
socam nossos rostos
com verdades que evitamos
filhos não sabem o quanto
comum e humanos somos

mas filhos não morrem, ó mãe
filhos apenas ficam longe de nós
— com ou sem saudade
filhos apenas nos julgam piores
apenas se sentem mal amados
e fogem do carinho de que sentem falta
filhos não sabem
o que é ter filhos
e depois não mais tê-los
nem detê-los
filhos são como novelos
que o tigre do tempo
desenrola e brinca
filhos se vão com a brisa
vivem distantes, nas grimpas
nas redações de jornais
nos palcos dos teatros
filhos tão ocupados
olhos no umbigo espetados
incapazes de um telefonema
uma pausa um break um poema
ó filhos — quem os fez assim
tão maleducados?!

filhos não morrem
morrem os pais
e com eles se apaga
um pouco o nosso brilho
morrem as mães
e com estas sim se vão
os corações dos filhos
mas enquanto viveres, ó mãe
viveremos todos em teu convívio


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