04 de agosto de 2024 às 16:00
Felicidade & honestidade
Nem todos podemos ser felizes, a partir de determinado ponto. Erros cumulam-se ao caminho e acabam por desvirtuá-lo, integralmente. Todavia, como ensina Machado de Assis, em Casa velha, ainda assim podemos ser honestos. Devemos sê-lo, para nosso próprio bem e bem daqueles a quem amamos no estupor de nossas limitações.
Quero ser honesto, embora preferisse ser feliz - claro, quem haveria de recusar a oferta, à exceção de intelectuais desocupados? Esta possibilidade não existe mais, a essa altura dos acontecimentos. Estou comprometido com a felicidade e o bem-estar de terceiros, inocentes em relação aos meus crimes, que merecem seja resguardada sua própria oportunidade de ser feliz - mais do que minhas vastas e vãs tentativas.
Quanto a ser honesto, porém, parece ser o mínimo que devo tentar para conhecer a réstia de luz da felicidade longínqua, aquela que se insinua pela resignação e recusa à promiscuidade. O sexo era para mim o meu maior prazer e diversão, entretanto, não há como praticá-lo socialmente sem incorrer em erros sucessivos, culpas, repressões, controles etc. A energia sexual é demasiado livre e demasiado avulsa para estar à solta em meio à pólis, onde os homens praticam sistematicamente a hipocrisia, a infidelidade, a suspeição, a desconfiança e outros valores que lhe são correlatos pelo simples fato de que a atividade sexual, como função orgânica e psicológica, desconhece regras. Embora lide o tempo todo com elas, em mais sentidos do que supõe o trocadilho implícito.
Não se pode permanecer a vida toda nas mãos de um contrato hipócrita que desconsidera o que há de genuíno neste impulso vital. Por outro lado, seria ingênuo, também, dar-se como escravo aos desejos e caprixos que nos rebaixam ao nível dos instintos como macacos fornicadores, em busca tão somente de satisfação imediata para humores fisológicos. Este é um dilema que se não resolve socialmente, mas, antes, no íntimo de cada indivíduo.
Não me agradam nenhuma das duas situações - nem a hipocrisia nem a liberalidade. Ambas aviltam a possibilidade de amar e conter amizade verdadeira nas relações entre gêneros. É preciso agir com clareza e retidão tanto em relação aos impulsos quanto aos contratos que vamos firmando ao longo da vida. O que não é fácil e está longe de ser simples, cabe frisar.
Nesta medida, está certo o Machado ao afirmar que aquelas personagens da Casa velha não foram felizes, mas, foram honestas. E isto basta. A mim também há de bastar.
É preferível mostrar-se como se é e não esperar que o compreendam por isso, mas se ao menos você puder compreender a natureza de seus próprios sentimentos, isto basta. É o ponto de partida para ser honesto consigo e os outros.