Meu processo de composição, já disse algumas vezes, é caótico e ramdômico. As canções costumam me acontecer em dupla, algo inteiramente sem sentido, mas é assim. E, geralmente, duplas não complementares. Ou seja, um tema pra cá, outro pra lá, como se dançássemos um bolerão, desencontrados... Enfim, durma-se com um barulho desses!...
Em 2008, às voltas com as composições da coletânea Rouxinol, cujas gravações retomo no segundo semestre de 2013, vi surgir o tema de Nós que amamos a vida, motivado pela leitura emocionada de um folheto que recebera em casa da organização humanitária Médicos Sem Fronteiras.
Eu andava, de fato, muito emocionado e sensível na primavera de 2008, e, já sob o calor do início de dezembro, outra composição aflorou com a força arrebatadora dos jequitibás: No amor.
Quando o tema surgiu... Ando tão longe de mim/tão distante... eu pensei comigo: hum, por que não seguimos as pistas ensinadas por Roberto & Erasmo? Pensei, então, em contar a história de um conhecido meu que havia escapado do flagelo das drogas graças a uma decisão interior sua de deixar para trás aquela vida que o arruinava e à mulher e à filha e toda a família, e graças também ao apoio decidido – nada convencional – que encontrou na irmandade internacional Narcóticos Anônimos, onde, por vezes, cruzou com grandes nomes do pop internacional em visita ao Brasil, em sessões da entidade no bairro carioca de Ipanema.
Confesso que nos primeiros versos... De tudo que sonhei um dia/E na distância vi sumir... eu me sentia plenamente representado, pois era uma sensação que me acompanhava diante de tudo que não funcionara muito bem na minha escolha pelo mundo artístico... Mas, aos poucos, a letra se foi inclinando para o lado desse amigo querido e percebi, cada vez com mais clareza, que estava diante de duas oportunidades: aquela, de exercitar o conceito que tantas vezes ouvira Erasmo discorrer acerca de suas belas composições com o eterno parceiro e, por outro lado, a perspectiva de homenagear esse lutador que vencera a dependência química e estava de volta à loucura da vida, limpo só por hoje.
Não vou dizer que seja uma letra robertoerasmiana em sentido clássico porque seria muita pretensão da minha parte, mas ficou bem resolvida como narrativa de corte quase realista, afora certas imagens um tanto quanto surreais... Veloz, um raio irrompe pelo breu/E ilumina cada coração/Que por algum motivo se perdeu... Tristezas tantas tombam do meu rosto/Tropeço em dores que não me esqueci... Na vertigem do melodrama, mas sem sê-lo inteiramente, creio.