O começo de tudo

Bem, comecei a compor de uma forma inteiramente intuitiva por volta dos 16 anos de idade, um pouco para ver se atraía a atenção das garotas como acontecia com o Julinho e o Breno, que eram os compositores da turma. Sortudos de uma figa!

Não rolou... Eu simplesmente não conseguia cantar minhas primeiras composições na roda de amigos e, portanto, as meninas seguiram interessando-se pouco por mim. E com razão! A adolescência é um território onde os tímidos não têm vez...

Nunca mais, desde então, consegui me desligar da música como forma de expressão. Mesmo que silenciosa, íntima, calada mesmo.

Já àquela época, como ainda hoje, eu era um cara confuso, difuso, disperso que me interessava também por outras manifestações de arte – a poesia, a prosa e o teatro, principalmente.

E o teatro e a poesia representaram para mim aquele espaço de afirmação social que não estabeleci a partir da música, tanto assim que a primeira vez que cantei uma composição em público foi numa peça de minha autoria em que atuei também como ator.

E, se quer saber, esse foi o dilema da minha vida em relação à música.

Minha total falta de coragem para defendê-la publicamente, apesar de me achar um compositor com qualidades, porém, mau violonista e péssimo músico, devido principalmente à minha disritmia, que sempre me dificultou manter a divisão e a sustentação rítmicas. Como cantor, gostava da minha voz e, até começar a gravar em estúdio, me achava afinado. Doce ilusão...

Meus companheiros de geração (classe de 1958 e arredores) não suportaram minhas imensas deficiências musicais e, por outro lado, eu não as superava por mim mesmo.

Ao longo da vida, estudei um pouco de violão clássico, um pouco de teoria, um pouquinho de piano, um tico de bateria, um tantinho de flauta tenor, sempre pouco, sempre disperso ao cabo de algum tempo, sempre incrédulo daquela possibilidade musical como uma possibilidade real para mim, algo que me era interiormente essencial, que me alegrava muito, mas que não sabia como transpor com segurança e clareza para o mundo exterior e ali obter um lugar ao sol. E água fresca à sombra!

Inexplicável, entretanto, é que continuei compondo de forma obstinada ao longo de muitos e muitos anos. Sem qualquer tipo de reconhecimento ou aprovação que pudesse justificar a permanência. Por certo que algumas das namoradas e amigos apreciavam uma ou outra coisa que lhes mostrava, mas não a ponto de tirar a poeira dos meus ombros...

Sim! Isso tenho de contar. Certa vez, mãe e filha do apartamento debaixo, a garota me olhava encabulada e com ternura, subiram dois lances de escada para saber de quem era aquela bonita voz que ouviam pela área de serviço. Semblante surpreso, não tive como me esquivar... mas, também não tentei ganhar a garota!...

Em outra ocasião, morava em uma pequena vila no bairro boêmio de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, e desfiava minhas canções sentado à varanda da sala, em um sobrado. Certo manhã, quando terminei uma delas, a garotada que brincava com seus carrinhos entre os jardins do pátio cimentado, puxou um aplauso e pediu bis! Uhuuu!...

Foram alguns dos incentivos mais relevantes que recebi de desconhecidos...

Lembro-me também de um período em que os membros de um grupo de teatro que dirigia, nos subúrbios cariocas, cantavam alegremente um sambinha meu em nossas animadas reuniões sociais, mas a situação manteve-se inalterada no que refere à minha disposição de dar a cara à tapa como cantor e compositor.

Houve uma oportunidade aos 24 anos de idade, é verdade... Eu administrava um teatro na Baixada Fluminense, arredores do Rio de Janeiro, à época um território conflagrado por miséria e banditismo, e o diretor de uma peça em cartaz por lá me ouviu cantar algumas das minhas canções e me convidou para fazer um show. Uau! Voz e violão, disse ele. Fiquei apreensivo, mas começamos a ensaiar.

Só que os nossos ensaios, por mais de um mês seguido, se davam da seguinte forma. Chegávamos ao local, ele com sua pastinha de couro preta, eu de violão em punho. Ele, então, me largava ali sozinho, entre carpetes fedidos, o ar condicionado desligado em um cômodo sem janelas, sob um calor infernal, tocando as canções do repertório que definimos juntos e regressava duas horas depois. Saía para resolver outras coisas! Desisti. Achei que não ia segurar a onda daquele jeito, meu violão era muito primário!...

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