A primeira vez que me ocorreu fazer um trabalho em torno da sua obra – ou inspirado nela – foi no verão de 1988. Eu estava em Guarapari (ES) e lá conheci o Zezinho. O Zezinho era um sósia que cantava em uma boate o repertório do Rei.
Foi um fenômeno que me impressionou muitíssimo. Pelo seguinte: a boate estava constantemente superlotada e era um frisson descomunal o momento em que, finalmente, início de madrugada, Zezinho subia ao pequeno palco para dar início ao seu show, rosário de sucessos íntimos da platéia ali dentro literalmente espremida. As mulheres iam ao delírio, para dizer o mínimo, como se o próprio Rei, em pessoa, estivesse ali cantando para elas.
O Zezinho, como todo sósia, guardava aquela dessemelhança que só se percebe muito aos poucos, passado o desejo de se identificar um anônimo com alguém muito famoso. (Porque, afinal de contas, o rosto de uma pessoa não são apenas seus traços fisionômicos, mas principalmente sua história de vida, suas dores, seus amores...).
A voz, contudo, e o próprio jeito de cantar, estes sim, traziam fortes semelhanças com o original, cuja imitação aperfeiçoou com o tempo, presumo. E esse é outro lance muito incrível no cover: você sabe que ele está apenas tentando imitar o inimitável, naquilo que este tem de comum com todos mais (mas que é mínimo perto do que ele tem de singular e que o diferencia de todo o resto).
Mas o que mais me intrigava em todo aquele espetáculo era mesmo o comportamento, por vezes patético, da platéia. Ela sabia que não era o Roberto, mas, ainda assim, ela queria acreditar que fosse, as mulheres principalmente, os homens, creio, estavam ali mais por mera curiosidade, simpatia velada pelo carisma do ídolo popular e, principalmente, azaração, afinal, o público feminino atraído pela performance do Zezinho a partir da mitologia do Rei era vasto, variado, bronzeado e de excelente qualidade, se é que me faço entender...
O show durava algo em torno de intensos noventa minutos e a proximidade entre o palco e o ‘gargarejo’ – que é onde as fãs mais desesperadas babam – permitia que muitos apertos de mão e botões de rosas fossem trocados entre o ídolo e suas súditas ao longo da apresentação, todas abduzidas pelo simulacro daquela presença espantosa de quem não estava ali!
Devo ter ido pelo menos umas três ou quatro vezes àquele lugar durante aquelas férias em Guarapari para vivenciar e testemunhar o fenômeno, que ao fim e ao cabo me pareceu explicar perfeitamente o que se passa conosco na sociedade do espetáculo: uma certa histeria coletiva é capaz de criar as realidades mais insólitas.
E depois do show havia algo ainda mais insólito. Na frente da boate tinha um espaço relativamente amplo, como um comprido pátio cimentado, por onde se distribuíam – calculo – cerca de cinqüenta cadeiras, brancas e de plástico algo flexível, dispostas em um quadrado, onde as pessoas se sentavam à espera de quem, ahn?
Isso mesmo, pasme, do Zezinho!
O pobre do Zezinho terminava o seu show, um show movimentadíssimo, por conta do grande assédio do público, o que o obrigava a turbinar sua parte final com as canções mais roqueiras e agitadas do repertório do Roberto, o que certamente fazia o Zezinho suar bastante todas as noites, e, ainda assim, meia hora ou no máximo uma hora depois de tudo, lá estava ele entre nós, banho tomado, de branco ou de azul, proporcionando-nos o contato inefável com sua falsa majestade.
E o ritual ali fora da boate não era menos intrigante. As senhoras, em sua maioria, que o aguardavam, aguardavam-no sentadas naquelas cadeiras de plástico (ou madeira) brancas, algumas conversando entre si, até que ele surgisse na porta da casa noturna, vindo de seu interior, resplandecente como um deus inca.
Zezinho, então, se sentava entre nós, do modo mais comum. Eu o vi por vezes sozinho, olhando para lugar algum, enquanto esperava o tempo passar para ir embora (aquilo, imagino, devia estar no contrato). Às vezes, ele era abordado e mantinha conversações pessoais com uma ou outra fã, em parte como Zezinho, ainda que um pouco como Roberto também, presumo. Afinal, já ia alta a madrugada quando se dava esse desfecho – e a madrugada, como se sabe, é a mãe de todos os delírios...
Depois, ele se retirava. No dia seguinte, tudo recomeçava durante todo aquele verão de 1988. Aquele homem ganhava a vida, simultaneamente, como ele mesmo e um outro – aquilo me aturdia profundamente.