Contribuições essenciais

É preciso dizer aqui duas ou três palavras a respeito de alguns encontros notáveis que originam esse e outros trabalhos meus.

O tecladista Tiquinho Santos, por exemplo, responsável pela presença constante do órgão na minha música, inclusive no samba, e que até sanfona reaprendeu para tocar em algumas das canções que gravei, entre elas Rogo white.

Meu encontro com Tiquinho foi fundamental por sua versatilidade e, sobretudo, diga-se, por sua elasticidade!... É que o Delicélio, apelido pelo qual apenas eu o chamo e ele me chama, sofre da mesma disfunção musical que eu e outros músicos brasileiros, que nos leva de Bon Jovi a Villa-Lobos, apenas para criar um intervalo possível, achando tudo bonito e vendo em tudo a singularidade do som de cada um. Nós gostamos de gostar, como ele mesmo diz, citando Gilberto Gil.

Quando a sua obra reflete essa ‘disfunção’, isso dificulta demais a formatação comercial do trabalho, é fato. Mas, fazer o que? Ninguém escapa a si mesmo.

Outra menção incontornável é ao trabalho de Fernando Abi Ramia. Eu enlouqueci o Abi Ramia de tal forma com a busca de experimentações que teve uma tarde em que ele saiu, cabelos poucos ao vento, pela avenida Alberto Braune, no centro de Friburgo, resfolegando de puro entusiasmo, atrás de um arco para tocar... cavaquinho!... Não achou, felizmente, mas improvisou soluções surpreendentes, e a ele devo as melhores ousadias sonoras desse trabalho, ao mesmo tempo em que me ofereceu o que há de mais saboroso na tradição do nosso samba-choro, sem falar que é um dos mais afiados 7 cordas da região serrana do Rio de Janeiro (aluno que foi de Rafael Rabello e frequentador assíduo do tradicional botequim Sovaco de Cobra, na Penha carioca, nos áureos tempos de fins dos anos 1970).

E Ney Velloso? Ah? Como eu amei!... Ney é um amigo e um artista pelo qual sou totalmente apaixonado, é um dos caras que torna a minha música sempre mais bonita. Ele tem a grandeza da simplicidade (ou vice-versa?), é uma espécie de Garrincha serrano, pássaro e mito a um tempo, joga como ninguém no seu campo e sabe servir como os maiores craques de todas as épocas.

Ney, suas irmãs vocalistas e seu herdeiro Kauan, flor de criatura e multi-instrumentista também, percorrem esse disco com o pedigree dos Velloso, gente do samba, gente da música, artistas entregues aos seus destinos, lindamente, o que culmina com a sua versão instrumental para O Trenzinho do Caipira, do Villa-Lobos, que, por sinal, estreou como compositor justamente no Teatro Dona Eugênia, em janeiro de 1915, na nossa velha Friburgo.

Para concluir o disco, chamei o arranjador e tecladista Anderson Erthal, parceiro de anos, que responde, com brilho, por cordas, madeiras e metais, e repeti ao máximo que deu, a fim de garantir uma certa unidade de interpretação, os músicos das primeiras gravações. Lá está a cuíca soberana de Adonim.

Entre estes, dois me são especiais, pela ligação que se foi estabelecendo entre mim e sua arte: o contrabaixista Edson Lobo e o baterista Jouber Alves, admirações imensas, cujas presenças nas gravações me emprestam suas respeitabilidade, experiência, precisão técnica, sensibilidade e o muito que me falta pessoalmente para estar entre grandes instrumentistas como eles.

Bom, e tem o Marcio Klein, meu eterno contrabaixista, falecido prematuramente em janeiro de 2013, para minha lástima, cujos contrabaixos elétrico e acústico fazem de Samba de roça um verdadeiro documento histórico para nós que o amamos de paixão e para sempre.

Mestre Uda, saxofonista das noites da minha adolescência, verdadeiro mito para mim, já imprimira sua sutileza melódica na gravação de Deixa eu te amar do jeito que eu sei, do meu primeiro álbum, e volta nesse, em Coração infeliz, largando nas chaves do seu tenor toda a sua ginga elegante, refinada, levando longe, muito longe, em estilo e cor, a linguagem do samba de gafieira. Um mestre, de fato.

Juntei essa turma da pesada com outras figuras sensacionais – o multi-instrumentista Marcelinho Martins, o percussionista e baterista Piter Toledo, o trompetista Gilney Oliveira, o flautista Maycon Lack, o contrabaixista Cleber Silva, o pianista Kiko Continentino, o saxofonista Rodrigo Costa, o violonista Fernando Dias, o Quarteto Guanabara de mestre Marcio Mallard –, que conheci entre aquele e esse momento, e o resultado você confere agora.

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