A verdade do coração

Algumas vezes
a verdade do meu coração
emerge com força arrebatadora
à flor do sangue
que borbulha em minhas veias

Um sentimento comovido
percorre meu corpo, nestas horas,
instantes poucos em que estou
à proa de mim mesmo, da cabine
de comando de olhos bem abertos
nas ondas crespas,
encapeladas ao mar à frente

Deste convés do que sou em essência
Largo, lépido, em direção à gávea
para anunciar a todos a bordo
o que a mim me comunica
o meu próprio sangue
arrebatado à sua verdade íntima
então visível no brilho intenso de meus olhos

Quero falar, dizer o que me vem,
límpido, à mente
Resulto mudo, contudo,
em face do próprio estupor
Não há o que dizer
Nem voz plausível
para enunciar a evidência
de tudo quanto não sei ao meu respeito
Vago em mim
como a louca pela casa
Cato raios de sol à cortina da janela
As interrogações que, velho,
arrasto aos chinelos
e junto aos bolsos do roupão,
não bastam para preencher o vazio das mãos,
uma vida inteira ocupada
por reminiscências de outrem:
trem no nevoeiro
luz pálida no poste sob a chuva
sapatos de couro na lama da noite

Tudo que fui sem o ser
Mais o que não fui, mesmo em tendo sido

Por vezes, essa comoção do sentimento
Essa verdade que emerge do coração calado
Faz-me supor que há uma passagem,
um transe dimensional qualquer
pelo qual finalmente chegarei a mim, um dia
Mas, não há isto
trata-se apenas de rematada ilusão
Não há como chegar a si senão pelo outro

Em frente, homem!
Não tarda a aurora
E, com ela, o estrépito dos dias...

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