Algumas vezes a verdade do meu coração emerge com força arrebatadora à flor do sangue que borbulha em minhas veias
Um sentimento comovido percorre meu corpo, nestas horas, instantes poucos em que estou à proa de mim mesmo, da cabine de comando de olhos bem abertos nas ondas crespas, encapeladas ao mar à frente
Deste convés do que sou em essência Largo, lépido, em direção à gávea para anunciar a todos a bordo o que a mim me comunica o meu próprio sangue arrebatado à sua verdade íntima então visível no brilho intenso de meus olhos
Quero falar, dizer o que me vem, límpido, à mente Resulto mudo, contudo, em face do próprio estupor Não há o que dizer Nem voz plausível para enunciar a evidência de tudo quanto não sei ao meu respeito Vago em mim como a louca pela casa Cato raios de sol à cortina da janela As interrogações que, velho, arrasto aos chinelos e junto aos bolsos do roupão, não bastam para preencher o vazio das mãos, uma vida inteira ocupada por reminiscências de outrem: trem no nevoeiro luz pálida no poste sob a chuva sapatos de couro na lama da noite
Tudo que fui sem o ser Mais o que não fui, mesmo em tendo sido
Por vezes, essa comoção do sentimento Essa verdade que emerge do coração calado Faz-me supor que há uma passagem, um transe dimensional qualquer pelo qual finalmente chegarei a mim, um dia Mas, não há isto trata-se apenas de rematada ilusão Não há como chegar a si senão pelo outro
Em frente, homem! Não tarda a aurora E, com ela, o estrépito dos dias...