Trinta dias chorou o poeta

(para José Ribamar Ferreira)


trinta dias
chorou o poeta
a morte do seu gatinho
lágrimas no chão da casa
o poeta, monstro de dor e humanidades
sua solidariedade, a solidão do caminho
estou só
diz o poeta viúvo
foi-se a mulher
também o gato
resta o sol na sala
e o esplendor roubado
de alguma poesia
           cada vez mais rara e rala
o velho poeta
não tem futuro
tem um gato na parede
mistura de cola e papel
a colagem de um gato
dependurada na lembrança
trinta dias chorou o poeta
a morte do seu gatinho
não a chorou só, porém
nem a chorou sozinho
o pranto do poeta
é um canto de índio
sobre a terra
tem pernas
escorre feito rios
evocação de espíritos
ancestrais à matéria
as lágrimas do poeta
como versos como veios
minam do impróprio terreno
sujas de vida
enlameadas de afeto sereno
lástimas minhas
lágrimas nossas
pura tinta! pura tinta!
o gato a morte a colagem e o poema
a vida do poeta é piracema
na contra-mão da vida


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