O Grão-Senhor

Vês agora a imensidade de tudo que é o amor?
Sabes então da eternidade aos olhos do Grão-Senhor
Por onde se move, aturdido e afortunado,
O indivíduo cósmico a caminho de sua emancipação?
Tens, por fim, noção da extensão dos laços que nos unem
Neste silêncio devastador da ausência?

São perguntas que me faço a mim
E as dirijo a ti, por capricho, talvez,
Mas, sem expectativas de respostas
Porquanto, sei, voa alto o libérrimo albatroz dos mares
Enquanto aqui ensaio rasantes desajeitados de pai e... pato...

Não me podes comunicar a descoberta de tua nova alegria, que presumo,
Ao largo da saudade recíproca
Em meio às lágrimas que verto, mesmo em sonhos, em vão desconsolo
Pois que mal vejo e ouço a paisagem em que estou
Que dizer, então, do inalcançável aos sentidos de uma percepção prosaica da vida,
em sua precária transitoriedade...

No entanto, intuições me chegam de toda parte e momento
A iluminar, de modo tênue, a penumbra de dor e o breu de sofrimento
Na caverna em que me vou recolhido, desde tua partida,
Entre paredes mudas de pedras falantes
E o filete contínuo de água salgada a fluir dos olhos baços...

Palavras se foram para sempre
Ambições esfumaram-se com teu corpo desfeito
Sobre mim pesam dez mil toneladas de uma vida sem teus olhos
E o magnetismo de uma presença inquieta, animada e doce

A memória de pouco me serve
Pois que te busco no presente
De um quotidiano, o meu, arrastado
Sem qualquer sentido a mais
Que não seja suportar o peso avassalador de tua ausência...

E o Grão-Senhor, impassível e justo
A tudo assiste com a bondade de seus olhos infinitos e penetrantes
Indiferente a circunstâncias e contingências
Pois que não as reconhece
Senão como meios de fazer seguir, ao adiante e acima, no aro das horas
O supremo esforço da alma em sua ascensão infinita
De volta ao seio do Criador
De onde nos desprendemos um dia
Para o longo caminho do conhecimento e do coração

Vês tais coisas inverossímeis agora?
Sentes afinal a vastidão disso a que chamamos amor,
Lírio perfumado em pântano pútrido de alvoroço e ranger de dentes?

Não sei...
Quem o sabe?
Nenhuma evidência, por concreta que seja
Pode revelar ou nos fazer crer no intangível silêncio da alma

Sigo cego
Tão somente que meu amor por ti
É a bengala branca de Santa Luzia
Que ajuda a contornar os buracos muitos no passeio mal cuidado
onde piso os passos últimos...

Ignores, pois, meus olhos vermelhos
Cansados de chorar
Beija a alegria da vida imortal, beija, filha!
Beija o sol, as aves, os peixes
Ama as pedras, os vegetais, humildes e imóveis
Contempla a imensidão que é então a casa maior do teu espírito
E siga, pois, tua jornada íntima

Meu amor sempre te quis livre e forte
E não há de ser esta velha senhora, a morte
A modificar convicções milenares minhas:
De que amamos, tão somente
Na mais plena e deslumbrante liberdade
De sentimentos e espírito

O tempo é o Grão-Senhor...


< Voltar

2024 © CIA DO AR. AÇÕES EM CULTURA  |   DESENVOLVIDO POR CRIWEB  |   POLÍTICA DE PRIVACIDADE