23 de janeiro de 2023 às 16:00
Ao distante como a ti mesmo
Os gregos inventaram-na, os romanos - embora a repugnassem - acrescentaram-lhe o princípio do direito, para o que contribuíram igualmente os alemães, ingleses levaram-na ao altar do parlamento, franceses cingiram-lhe as insígnias - liberdade, igualdade e fraternidade -, nórdicos resolveram-na melhor do que ninguém do ponto de vista da rede social dos cidadãos e os filhas da mãe dos americanos, é preciso tirar o chapéu, banalizaram-na, fizeram-na um hábito quotidiano! Obra de muitos, portanto.
A democracia não é uma panacéia, porém, a única alternativa de convívio com funcionalidade suficiente para equacionar liberdade individual e responsabilidade coletiva.
Os que a molestam, os que a corrompem, os que a aviltam são exatamente aqueles para quem a liberdade, a igualdade e a fraternidade entre os homens e a preservação de seu habitat por si só não justificam sua existência. (Conhece-se o nível de atraso de uma comunidade, por exemplo, pelo número de baforadas que o industrial costuma dar na cara do agente ambiental ao ser autuado, certo de que pode contar com o reforço de seus amigos do judiciário para escapar dar multas...)
Por mais sedutores e funcionais que possam parecer os sistemas autoritários, crescimento humano, de fato, só em clima de absoluto respeito à lei e ao direito individual à liberdade. Sem os valores que fundamentam o convívio democrático o que temos é o campo aberto à corrupção e à perda do sentido da vida, do que o terrorismo internacional, o narcotráfico e a guerra de conquista são o grito mais alto que nos pode calar a todos. E estão efetivamente calando.
Ou nos engajamos todos para tornar a vida quotidiana imensamente democrática em todos os sentidos ou, então, sinto muito dizer, mas estamos todos, invariavelmente todos, fodidos! Assim mesmo, sem qualquer polidez desejada. Mesmos os ricos e muito ricos também estão ferrados, senão diretamente, por intermédio ao menos de suas descendências (se é que se importam verdadeiramente com isso e eu acho que se importam, sim!)
Em sessenta séculos de vida social não tivemos idéia melhor, até aqui; nenhuma que resguardasse mais e com mais propriedade a relação indivíduo-sociedade/cultura-natureza do que a ordem democrática como a entendemos hoje. Cada vez mais direta, plebiscitária e participativa. Cada vez menos representativa.
A democracia, porém, não pode ser entendida apenas como forma de governo e forma de representação social. Mas, antes, como modo de vida regido pela tolerância às diferenças, respeito às decisões da maioria, resguardo dos direitos das minorias e cultivo da diversidade, no dia a dia, no seio da família, no ambiente de trabalho, no botequim, no campo de futebol, na discoteca (ainda existe isso?), no trânsito, no cerne das decisões e deliberações do indivíduo.
Uma lei que valha igualmente para todos - juízes, inclusive - é vital ao estado democrático de direito. O exemplo do aparelho de estado e das elites econômicas, políticas e intelectuais é indispensável. Um respeito mútuo que esteja acima de diferenças de idade, credo, etnia ou posição social é o resultado visível dos relacionamentos humanos baseados em princípios democráticos. Uma comunidade que zele em conjunto por seu habitat é a expressão completa do que significa democracia como dever e direito de todos.
O Brasil - país das misturas, na feliz expressão do chef Tunney Fujimaki -, e nós brasileiros em geral precisamos investir maciçamente em valores e construções institucionais democráticas, se quisermos alcançar a prosperidade econômica ao cabo deste século e uma situação de justiça social que nos livre do inferno da guerra civil instalada no quotidiano das grandes cidades e que tende a se generalizar em seu entorno.
É obra para duas ou três gerações, construir a democracia quotidiana brasileira, no coração do engraxate e do banqueiro, mas, carajos!, alguém tem que dar esse passo decisivo. Está mais do que na hora de entender que o que desejamos para nós mesmos é exatamente aquilo que devemos oferecer em troca no relacionamento com o outro. O contrário, é logro. E aí, já viu, né? Tem troco. Sempre tem troco... Vide judeus e palestinos. Vide a nossa polícia e os nossos meninos...