Na minha infância,
Olhava para os dias molhados
Com saudade indefinida
E me ausentava do tempo
A olhar as casas antigas da minha rua
Pintadas de amarelo
E com janelas verdes
O armazém do Tadin
O armazém do Erthal
O açougue do Filé
O bar do Luiz Galinha
A Padaria Suspiro
A pensão da Dona Ilma
A alfaiataria do Miranda
A barbearia do João
A eletrotécnica do pai do Batata
A banca dos Portelas
Os dias molhados
Deixavam-me melancólico
Jogado longe
Calmamente feliz
Ora no corredor do casario do Evaristo
Sob o amor de Dona Alzira
Ora na avenida do urubu, mirando
[o rio manchado
Os sapos no cair da tarde
Os cachorros de rua, a marchar ensopados
Os dias cinzentos
As montanhas recobertas pela bruma
A brisa fria a beijar o rosto
Até que a viessem buscar seus pais,
[o vento e a chuva
Ou sua tia, a noite
Tudo era ausência
E felicidade amena
Nos dias molhados
Eu não era um triste
Mas, aquela melancolia
Comovia-me
Emocionava por dentro,
[no mais íntimo
Ali, creio, ganhei o sentido da solidão
Que é, em si, uma forma de estar
[com todo o mundo
Só esta ausência consentida
Preserva-nos para a experiência
Do amor universal
(É contraditório
Mas, é real)