Sistemas psíquicos
A psicanálise de modo geral fez-nos responsáveis pelos mínimos atos de nosso automatismo. Navegantes dos oceanos do inconsciente com a vela frágil da razão, para quem o conhecimento em princípio representaria leme e motor, digamos assim, vamos ao sabor - e dissabor, muita vez! - de ventos poderosos que varrem os mares, muito mais de sete, creio, ou também nos encalham à calmaria de sua ausência. O saber nos permitiria, assim, no contorno da metáfora, a navegação de cabotagem ao cais do quotidiano. Muito que bem.
E não só a psicanálise, como outras filosofias da história, o marxismo e suas variações, dentre estas, insistem em anunciar, aos quatro ventos, a autodeterminação do indivíduo sobre o seu destino - finito e determinado dentro de definido lapso de espaçotempo - como a grande oferta do conhecimento para este símio engenhoso e complicado que somos.
Mas, o que tenho percebido é que, se você consegue ficar inteiramente em repouso, sem atender a nenhum dos chamados do inconsciente para o freje costumeiro das almas, em sua festa de confusão e caos, os fatos vêm bater à sua porta do mesmo jeito e de igual modo, sem dó nem piedade, como se você houvesse pedido uma pizza por telefone.
Nos momentos em que mais se precisa de tranqüilidade e concentração para o desempenho de tarefas que você a si se determinou como prioritárias - constato, e não é só comigo! -, parece que o mundo desaba ou pelo menos ameaça desabar sobre sua cabeça como a pôr à prova sua capacidade de resistência e, mais, de gestão do caos que se quer instalar. Mesmo que, a título de precatar-se, você sequer saia de casa! É incrível!
Todos os doidos da sua circunvizinhança - companheiros variegados de pavilhão, por assim dizer - resolvem que aquela é, sem dúvida, uma boa hora para atormentá-lo com suas solicitações e estímulos, para dizer com vezo sabe-se lá de que!
Tenho percebido que formamos, na verdade, determinados conjuntos - ou sistemas - psíquicos que funcionam como vasos comunicantes entre si, ao nível mesmo de sua inconsciência. Minha velha teoria da comunicação subliminar dos indivíduos ganha força de comprovação, nestas horas. Com efeito, por mecanismos supra-conscientes ou infra-conscientes - eu sei lá! Em algum momento algum maluco vai explicar isto satisfatoriamente -, estes sistemas psíquicos produzem alguma espécie de conhecimento inconsciente que é comum e compartilhado pelo conjunto de seus membros, em maior ou menor grau de conhecimento, a partir de sua posição dentro daquele círculo determinado [creio mesmo que a configuração seja circular]. E de posse desta informação determinada, lá se vão as criaturas em seus movimentos de pergunta e resposta ao que há de novo na dispensa da tropa. O que está disponível no momento para consumo.
Não é nada fácil avançar nesta investigação! Por isso, páro por aqui. Sua percepção é fugidia e arriscada, tende a invalidar o observador. É compreensível. Sua elucidação traria considerável isolamento àqueles elementos do sistema cuja função essencial é perturbar a ordem estabelecida e quebrar o cumprimento da lei. E tais elementos, como se sabe, exercem papel cada vez mais determinante na administração dos processos públicos contemporâneos.
A investigação científica encontra-se, de certa forma, confinada a si mesma, no sentido de que seus pressupostos não comportam a participação e as contribuições de ordem geral - indícios e hipóteses investigativas - que possam advir de outros campos do conhecimento, mesmo da intuição ou da imaginação. E a imaginação, não me canso de repetir, é fonte da verdade. A mesma multifacetada verdade investigada pela ciência.
A mim nada disso interessa senão da perspectiva da investigação literária, não tenho uma mente científica nem pretenderia oferecer qualquer formulação sistemática a respeito - falta-me tudo! De instrumental a vocação. É certo que minhas historietas, peças de teatro, músicas e poemas reportam em algum nível tal percepção. E é todo o possível.
Em
O fora de contato levanto a hipótese de que a consciência possa estar fora do corpo e, hoje, creio que possa nem mesmo ser tão individual como até aqui se imagina, ao ponto mesmo, creio também, de se poder falar em algo como um
consciente coletivo - o que ajudaria a explicar, entre outras coisas, porque cada época reúne determinadas características que a fazem singular em relação a todas as demais. Enfim! Uma piração dos diabos! Difícil de administrar. E de investigar. Contudo, é preciso ter coragem se desejamos de fato ampliar a esfera do livre-arbítrio do homem para além das aparências de suas decisões de ordem econômica e social.
Estas categorias do pensamento esgotaram-se em si mesmas como explicações razoáveis para o nível de insanidade que atingimos. Pode-se facilmente taxar de maluco todo o texto acima, mas não de igual modo ignorar que a saúde mental da espécie como ainda agora a compreendemos - com parâmetros estabelecidos ao longo do século XIX - já não pode se apreendida, em termos sociais, nem suficientemente explicada ou tratada.
Algo está se perdendo em nós mesmos e algo está se formando dentro do caos contemporâneo que requer paradigmas novos e atitudes outras diante do imponderável em que se vai configurando a vida dos povos. O esoterismo não dá conta. O retorno às religiões da tradição não dá conta. E a ciência também não dá conta. Creio que é hora de ouvirmos os poetas que falam ao coração.