Vou a pé à casa de meu inimigo
Mostro-lhe meus pés descalços
As mãos vazias e desarmadas
E pérolas mil na algibeira
Convido-o a cear conosco
Em nossa mesa
Com nossos pratos e talheres
Ele, no entanto, recusa
Usa de meias-palavras para isso
Interpela minha oferta de paz e prosperidade
Com indagações quanto às marcas do tempo
[em meu rosto
Teceu histórias óbvias a meu respeito em seus ouvidos
Emprenhou-se por julgamentos cáusticos
[que o tornaram, por fim, estéril
Os próprios testículos e as trompas da mulher
[cozidos ao sol do deserto
Olha, então, para minha família
[como o horizonte que desprezou um dia
Também a nós nos quer desprezar
Bate-me, discretamente, a porta na cara
Como fosse obra do vento, o acaso nas mãos
Minhas pálpebras mastigam, contritas, a lágrima última
A que pinga na terra a esperança finda de concórdia
Faço o caminho de volta até minha instância
Comunico aos meus a dor imensa
[que me dilarcera o coração partido
Choro a lágrima última
Lágrima de sangue
Do fundo da aurora, então
Eis que surge o anjo exterminador
Com sua espada reluzente
E seu sorriso nem tanto
Aproxima-se, lento
Como a imagem que, difusa,
[bruxuleia nas bordas da noite
Em direção ao sol
Cresce o anjo
Tal e como sua presença
Sinto que parte de mim será morta agora
Para que renasça mais inteira
[a intenção de meu destino