24 de outubro de 2023 às 16:00
E o meu voto vai para...

(por Arnaldo Luis Miranda)

 

Votei na ex-senadora Marina Silva, em 2010, para a presidência da república e perdi meu voto já no primeiro turno.

Votei por suas bandeiras ambientais e auto-sustentáveis, primeiro de tudo, porque estou certo de que o planeta prepara a nossa expulsão do reino da natureza por sermos, digamos, pouco colaborativos e particularmente imbecis, afinal, recebemos a abundância e retribuímos com a espoliação e a usura,  egoísmo atroz que não poupa sequer a nós mesmos (psicopatas suicidas ambientais que somos, convictos, marrentos, de quem americanos e chineses são o exemplo acabado).

Perdi, contudo, acreditando que investia em um projeto de renovação das forças políticas progressistas da nação, cuja missão maior, a meu ver, constitui a superação do modo terrivelmente emocional e estranhamente pragmático como jogamos o jogo político, sem atentarmos com maior atenção para as estruturas institucionais que impedem essa renovação desejada (e não só por mim) e que despotencializam o diálogo entre visões de mundo diferentes; acreditando, pois, que Marina e seu grupo pudessem pavimentar justamente o caminho do meio, o centro liberal ao modo americano (democratas) e europeu (social-democratas, verdes e trabalhistas), com consciência ambiental e justiça social combinadas em um projeto de país, mais que de governo.

Após as eleições presidenciais de 2010, começa a movimentação para a fundação da Rede Sustentabilidade (que se formaliza em fevereiro de 2013, apenas), um partido político sem nome de partido, mas que, diferentemente do Solidariedade, da Força Sindical, e de outros pequenos grupamentos organizados no mesmo período, não obteve seu registro na Justiça Eleitoral.

Ora, como pode? Estranhei aquilo. Claro, podemos imaginar que uma justiça classista e corporativa, como a nossa, fez as exigências que pode, das mais malucas às mais irrelevantes, para dificultar a totalização do número de assinaturas para a obtenção do registro da Rede; ok, isso é compreensível, os nossos juízes e cartórios parecem encontrar certa satisfação em inviabilizar o que possa ser inviabilizado e dificultar o que possa ser dificultado, todo mundo no Brasil sabe como a coisa funciona sempre que não podemos vender facilidades por algum motivo...

Todavia, um grupo político que pretenda chegar ao poder, teria de ter uma estratégia para superar esse obstáculo tão corriqueiro em nossas vidas e, para isso, teria que se adiantar ao máximo em relação aos prazos para ter tempo para produzir as exigências malucas e irrelevantes que, devia saber, seriam requeridas pela Justiça Eleitoral, tornando incontornável a homologação do registro (o problema, parece, é que a Rede deixou tudo para a última hora, o que tornou simples e fácil aos adversários de seu projeto inviabilizá-la como partido político apto a competir nas eleições presidenciais seguintes).

Entre novembro de 2010 e abril de 2014, para um grupamento político que obteve 19 milhões de votos e ficou em terceiro lugar na disputa presidencial, é tempo mais que suficiente, com cacife político de sobra, para providenciar as assinaturas necessárias e rever as anulações, por mais infundadas que fossem, garantindo a existência legal da legenda.

Não. A Rede foi pega na rede da nossa malandragem jurídico-institucional e da sua própria leniência, deixou-se apanhar como os botos-tucuxis que diariamente se entregam ao arpão de seus algozes. Eu fiquei com pena. Mas este sentimento está errado: devia admitir ali que não havia competência para o exercício de poder nem o desejo sincero de vitória por parte do grupo que vislumbrei como a terceira margem do rio, nesse nosso contexto de polarização PT-PSDB que domina o país há 20 anos, com o PMDB correndo por fora e mandando sempre em todos, graças à sua inesgotável sabedoria e conhecimento (do pior) da alma brasileira.

Resisti ao que a realidade expunha muito claramente aos olhos da nação, quis crer, ingênuo, numa “pegadinha” dos cartórios eleitorais e considerei, até, um golpe de mestre de Marina a sua aliança com Eduardo Campos, muito embora sempre soube que ninguém vota em vice. Achava que 19 milhões de votos justificariam a cabeça de chapa na aliança com o PSB e, no final das contas, acabaram mesmo por justificar, pois estou certo de que se não houvesse a tragédia do governador pernambucano, dificilmente ele oscilaria muito do seu próprio patamar de intenção de voto. Não é fácil construir lideranças nacionais.

 

Então, o avião de Eduardo Campos caiu e tudo mudou. E a favor de Marina Silva. Uma mulher cuja história de superação pessoal e cuja carreira política colocam-na lado a lado com Luiz Ignácio, no que refere ao conteúdo simbólico de suas trajetórias para o Brasil e para o mundo. Marina, até, com certa vantagem no contexto internacional, devido ao notório reconhecimento de sua militância ambiental.

Achei, como muitos, as estratégias de desconstrução da candidata por parte de PT e PSDB o exemplo típico e acabado de tudo aquilo que, do meu ponto de vista, precisa mudar no nosso modo terrivelmente emocional e estranhamente pragmático de fazer política (se é que fazer política é isso mesmo, tenho dúvidas).

Não dá nem para comentar tanta distorção e baixaria; meus amigos petistas foram implacáveis com mentiras cabeludas, difamações infames, injúrias e tudo mais que apreciamos quando dito acerca de nossos adversários políticos (mas, não de nossas mães); e os meus parentes e amigos da direita igualmente aproveitaram para derramar a bílis fervente de seus fígados contra tudo que possa parecer, o mais levemente que seja, uma liberação de costumes ou estimular o reconhecimento do outro, do que lhe é diferente, como alguém com os mesmos direitos a existir.

E nesse ambiente polarizado ainda nos encontramos agora, à beira do segundo turno das eleições presidenciais de 2014, talvez a mais radicalizada campanha desde 1989.

A queda do avião de Eduardo Campos, fato em tudo lamentável e comovente, elevou de imediato o percentual de intenção de voto em Marina Silva. Dos 27% que a candidata tinha em abril deste ano, ainda imersa nas indefinições da Justiça Eleitoral, saltou para 34% e teve uma breve acensão meteórica, por certo inflada pela comoção da perda do governador pernambucano, e despencou em seguida, gradualmente, à medida que a porradaria de PT e PSDB surtia efeito e a candidata buscava as cordas do ringue, com realinhamentos de última hora para o seu programa de governo, parece que tentando se ajustar à possibilidade iminente de vitória.

Sempre acho que os nossos candidatos mais bem posicionados nas pesquisas de intenção de voto restringem-se invariavelmente ao chavão político, quase nunca falam algo que preste nos debates.

Quem ainda imprime algumas autenticidade e verdade (não muito, sem exageros) são os nanicos. Esse ano, honrosamente representados pelo pândego Felix, a histriônica Genro, o hilariante Everaldo e o simpático Jorge. Todos, sem exceção, nos debates das grandes redes abertas de televisão e na rede fechada da CNBB foram capazes de dizer coisas inteligíveis e tocantes ao homem comum, eleitor, mesmo que na maior parte do tempo estivessem também jogando para a plateia.

E a Marina? A Marina ficou nas cordas, acuada, nem perguntas que a pudessem salvar do impasse em que sua candidatura se metera apareciam ao longo dos confrontos; nem jornalistas nem concorrentes, ninguém lhe ofereceu uma única pergunta em que se pudesse agarrar para se salvar do naufrágio iminente (tipo, a senhora é contra o casamento gay?), ficou refém de sua virtual vitória, não disse nada do tipo “perco o pescoço, mas não perco o juízo” ou “sou evangélica, e isso não quer dizer que defenda qualquer tipo de discriminação”. Nada. Parecia engessada, paralítica do verbo, à espera de que o primeiro turno passasse e ela estivesse no seguinte. Não funcionou. Perdemos. E sua votação manteve-se relativamente a mesma de 2010, ou seja, só nós votamos na Marina, os de sempre; Malafaia não votou e nem ninguém mais votou. Só a gente. Ok.

 

Ao fim da apuração do primeiro turno, naqueles dias encornados e tristes para mim, vi a Marina ao vivo, na TV40, fazendo o balanço da derrota em uma entrevista coletiva internacional.

Era outra pessoa! Iluminada! Descansada, sorridente, ligeiramente arrogante aqui e ali, em uma ou outra resposta mais enviesada a um repórter desavisado ou outro, o que é natural e releva-se, mas o que me confundiu é que se tratava praticamente de outra pessoa: a pessoa em quem eu havia votado em 2010, quase uma entidade simbólica.

Era uma Marina radiante, a da entrevista da derrota, aliviada, livre do peso e da possibilidade de ser presidente. Fiquei sem entender o que se passava, repito; e li, na coluna do Moreno (no Globo), dias depois, que a mesma sensação que tive invadira também seus colaboradores mais próximos, no sentido de ela ter “amarelado” diante de uma perspectiva bastante real de vir a governar o país. Psicologia de botequim, talvez, a minha, vá lá que seja...

Mas agora, depois de passar todo o primeiro turno alegando que nem Dilma nem Aécio apresentaram seus programas de governo, mote em que se aferrou para cair de pé, não obstante os inúmeros problemas que as correções de rumo no seu programa lhe custaram, a Marina vai e fecha um apoio programático com o Aécio. Programático, cara pálida?!

Mas, o Aécio tem programa?! Pelo que ela disse a campanha inteira, não! Eu também acho que não tem, pois se tivesse, esses 82% de eleitores mineiros que o abandonaram (segundo os institutos de pesquisa) jamais o fariam, pois certamente que ele já teve, lá em Minas (por 8 anos), a oportunidade de matar a cobra e mostrar o pau (no bom sentido, heim, Aécio, calma!), o que quer dizer que esses 82% de eleitores mineiros que anunciam o voto na sua adversária (e, parte deles, que elegeram seu aliado político já no primeiro turno com 52,9% dos votos) muito provavelmente não confiam na palavra do ex-governador Aécio Neves em função de sua prática política. É o que deduzo.

Ah? E o Aécio, agradecido e humilde, ainda afirmou por esses dias que não necessariamente pleitearia a reeleição ao fim do primeiro mandato, caso o conquistasse. Que anjo barroco! Mas, catso, não foi o PSDB que comprou a peso de ouro a emenda da reeleição para FHC? Estamos num mato sem cachorro, nós, os brasileiros, com esses nossos políticos...

 

Portanto, neste segundo turno, não vou acompanhar a ex-senadora Marina Silva. Mesmo tendo votado nela, entre outras diretivas, como alternativa ao PT no governo federal e para arejar a política brasileira com uma nova composição de forças políticas que busque a renovação das nossas estruturas (que precisam mudar, urgentemente). Claro que a Marina ia fazer um monte de caca que nem todos eles fazem (por isso devem ser trocados de tempos em tempos, como as fraldas e pelos mesmos motivos, segundo Eça de Queiróz), mas eu tinha uma confiança de que ela ia errar tentando acertar (e a intenção muda tudo, mesmo o erro), coisa que não preocupa ao Aécio e ao PSDB, profissionais da política que sabem muito bem como conduzir as coisas de modo que tudo se passe sem que nada aconteça e tudo aconteça sem que nada se passe.

O PT é uma decepção sob muitos aspectos para quem o acompanhou desde sempre, um partido que, ao chegar ao poder, aprendeu tudo com o PMDB, menos a dividir. Olho grande não entra na China, deve repetir diuturnamente o Michel Temer, o Enciclopédia, sempre que encontra uma liderança do aliado fominha... Mas, trocá-lo pelo velho e bom PSDB da compra da reeleição é trocar seis por meia-dúzia. Se é para rifar o país de vez, então que venha o diabo em pessoa, isto é, o próprio PMDB! (Mas, esse, urubu malandro, sabe fazer as coisas, só morde embaixo).

Não quero que mexam nos programas sociais do governo federal, quero que sejam aperfeiçoados e incorporem as críticas mais consequentes da direita.

Não quero que mexam no Pro-Uni, nas escolas técnicas federais, no Fies, não quero que mexam em nada do que possa fazer avançar a educação como ferramenta de oportunidade e de felicidade para o conjunto do povo brasileiro pobre.

Não quero que mexam no Minha Casa, Minha Vida, quero que o programa pare de fazer pardieiro para pobre, esses monstrengos infames que alguns arquitetos filhos da mãe chamam de conjunto habitacional, mas que são verdadeiras humilhações residenciais; quero que o saneamento chegue a 100% dos lares do Brasil e igualmente a luz e a água (se ainda tivermos água).

Não quero que mexam no Mais médicos, programa execrado pela mídia e os opositores, mas tão bem recebido pela população dos rincões do Brasil profundo que ninguém ousou abrir a boca para falar mal dele durante toda a campanha eleitoral. Inclusive, no segundo turno. Sucesso absoluto de público em um país cujos médicos concentram-se majoritariamente nas melhores e mais ricas e confortáveis cidades das regiões sul e sudeste.

Com todos os seus erros, que são muitos, mas o governo federal — leia-se, Dilma Rousseff, a gerentona ? está tocando todos esses projetos que mencionei com uma inflação sob controle (claro, se você ler o Globo, Veja, a Folha, essa mídia, o país acabou há muito tempo e estamos todos mortos; não é o que diz o Paul Krugman, todavia, um economista americano que respeito) e, o mais importante, tocando esses projetos numa situação econômica próxima ao pleno emprego. Diferentemente de Estados Unidos e Europa, portanto, não estamos crescendo, mas também não estamos mortos como querem o Armínio Fraga, a turma do PSDB e a midia conservadora em geral.

A crise internacional de 2008 está longe de ter sido encerrada, como sugere o Fraga para desqualificar o trabalho do Mantega. Depois, se por ventura ganhar o pleito, ele próprio volta atrás e tal e diz que vamos ter de arrochar salários para manter empregos, a gente sabe muito bem como funciona a justiça social do PSDB, é boa para Harvard... E o Mantega me pareceu experimentado com as manhas da imparcial Miriam Leitão e do mercado (que é mau feito o pica-pau) para seguir em frente no leme da Fazenda.

Portanto, vou de Dilma. Não acho que ela seja corrupta. Acho que é rude, mas eu também sou rude e o brasileiro em geral não é exatamente uma flor de criatura. Vou de Dilma; e se perder, bem, f...-se.

Sobrevivi à ditadura, ao Sarney, ao Collor, ao FHC, ao mensalão do PT, ao 7 x 1 da Alemanha ... o que é um Aécio para quem já está todo borrado?

 

A renovação das estruturas institucionais de que precisamos está para muito além da troca de PT por PSDB e só pode vir de uma reforma política de fora (das ruas) para dentro (do Congresso). Nenhum dos nossos grandes partidos políticos têm qualquer interesse em ver os seus mandatos limitados, o financiamento público de campanha regulado e o fundo partidário reformulado. Ou para conter ou para inibir a roubalheira. Já que estancar é impossível... Não podemos mudar os homens, ainda mais em um país de canalhas e assassinos contumazes, mas podemos aprimorar as leis e as regras do jogo político para dificultar a ladroagem, o roubo, que nos é intrínseco.

Uma das principais causas da corrupção na política é a reeleição, em todos os níveis, de prefeito a presidente, de vereador a senador, pois é ela que garante a perpetuidade desses grupos de pressão no poder, por intermédio de seus representantes reeleitos indefinidamente, e que não são exatamente os nossos representantes, mas de interesses de grupos políticos e econômicos específicos, interesses que não nos incluem a nós, cidadãos brasileiros comuns, menos ainda os altos interesses do país (nossa água, nosso ar, nossas florestas, nosso alimento).

A renovação dessas estruturas institucionais seria o alvo da cidadania, fosse ela menos manipulável emocionalmente pelas mídias e o marketing de grupos econômicos e partidos políticos, fosse ela mais consciente da força esmagadora da nossa união.

Mas, não. Somos presas fáceis da paixão que xinga, do amor que odeia e, assim, bem desse jeito, vamos deixando intocáveis as estruturas institucionais que beneficiam a corrupção e a permanência vitalícia desses grupos no poder.

Então, viva o Enciclopédia! Viva o PMDB!...

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