Que tanto terror nos incute
Mesmo uma religião de amor
A olhar para nossas falhas pessoais
Como as folhas de uma pobre árvore
De onde dependem, solitárias, na escuridão do desconhecido
Em queda natural ao chão
Sob a noite dos erros
Por que nos assustam tanto
Com clamores da eternidade
E tanto nos desprezam
Se dez mil anos se passaram
E nada foi capaz de persuadir a colmeia louca
De um outro caminho
Senão o suor do rosto
A inveja do vizinho
O ciúme dos amados
Os laços de família
A amizade de interesses
A mentira
O roubo
O assassínio
A escravidão
A sede de poder
A diversão barata
A ilusão à-toa
A lascívia
A luxúria
A gula, demasiada gula
Que palavras bem-aventuradas vencem os instintos
Desmontam hábitos
Desconstroem sinas
Reinventam destinos
Senão aquelas nascidas da experiência comum
Do exemplo que se oferece como templo
Do corpo que vence a si mesmo
Ao outro avança
E alcança com a mão estendida
Em nada disso o terror ajuda
Ao contrário, repele a força que nos aproxima
Atrai descrença
Consagra o medo
A pedagogia do amor, antes
Empurra-nos ao perdão, ao serviço
Promove o juízo, porém, descarta o julgamento
Estamos aqui mais para conviver e partilhar
Mesmo na solidão crescente da Grande Maçã
Os erros não são nossos pecados
São as ferramentas que temos a experimentar a nós mesmos
Em face de tudo que não sabemos ao próprio respeito
Tateamos às escuras, no breu dos claros dias
Às voltas com nossas fraquezas congênitas
Equívocos ancestrais
Nas costas carregamos dez mil anos de ilusões estrumais acerca do que é a vida
E raras vezes ascendemos para além da força dos braços
Ao carinho das mãos
Mais das vezes, vamos de roldão
Arrabatados
Golfados por golpes do tempo
Erradios, erráticos, fugidios
Por que aterrorizar esse homem
Já tão imerso em seu terror físico
Para que assustá-lo em sua pequinês
De que adianta tudo isso de adiantar punições
Se os crimes não se sucedem por falta de aviso
Mas, antes, por uma combinação deletéria
De impulso e medo
Vivemos uma imensa trama
Na teia gigante do Universo
Nossos sentimentos se originam do quê?
Do amor que recebemos?
Quem dera
Nenhum de nós sabe ao certo
Nós os escolhemos no magma eterno e quente
De um ser que suportamos
Em amplo desconhecimento
Este ser que somos e de que mal damos conta
Diante da tarefa de existir
Mais que viver
Construir-se a si a partir das peças de lego do presente continuum
Do logus oculto nos desvãos da memória