Meu maior inimigo hoje é o tempo
Esse cínico pintor a abusar dos excessos do branco
Esmaece a minha dor com a pincelada dos dias sucessivos
Para fora do que fora o meu presente
A minha vida, o meu amor
Que agora jaz transtornado em meu passado
Descolore fotografias
Embaça imagens
Encarquilha flores guardadas às páginas dos livros
Envelhece vídeos
Enquanto também envelheço
Em meu vazio
Em tua ausência
Agarrado que vou à saudade,
Restos de uma vida
Que passou tão rápida por minha pobre vida
Privada então de tua presença
Este grande canalha zomba
Com risadas guturais e estridentes
No interior da minha mente
Do meu olhar vazio e pungente
Em direção às extremidades da tela caiada
Nenhum fato novo que possa associar a quem se foi
Senão gestos próprios e meus
Que reivindicam permanência
(Como os sonhos, por exemplo)
E o cínico artista pinta sua aquarela branca
Encharcada de branco
Das 'impurezas do branco'
Coalhada de branco
Como a neve que bebeste ao lado meu em Paris, um dia
Este quadro entristecido
Quer-se realista
E eu em luta com a memória que cede
Para te manter viva em minha sede, ao menos
(Repito teu nome ao longo dos dias, de forma corriqueira, a atualizar-te)
Não há como enfrentá-lo
A este Golias infame e cruel
Que em tudo vê a naturalidade da vida que flui e se esvai, inexorável
Mesmo nos maiores absurdos
Ao corpo mesmo das fatalidades fortuitas
Resisto com minha dor
Cravo ao coração
Buraco no peito
Produzo lágrimas diárias
Em meu tumular silêncio
Confronto a alegria
Com meu luto, encanecido e cão
Não quero que passes
Não deixarei que passes
Até o último suspiro
Este senhor ordinário da vida
Ver-me-á como a um verme
A roer suas nuvens alvas
Seus montes Fuji
Sua garoa serrana e grossa
Seus tons pastel, sem graça e sem vida
A me rebelar contra tua ausência tão sentida
Na extraordinária celebração do teu eterno amor pela vida
Grandessíssimo filho de uma puta!
A flor do afeto é minha funda a golpear-lhe o nada...