Viver é quase nada saber
Acerca do que se vive
Um mundo íntimo, ancestral, milenar,
[que nos iguala à idade do Universo,
Move-se em silêncio em nosso interior
Como que por atrás da mente,
[subjacente à sua pueril consciência
Enquanto vamos a desenhar ao quotidiano
Gestos rudes, qual garatujas
Que mais expressam nosso desconhecimento
[acerca de tudo de que somos feitos
Do que exprimem essa grandeza oculta,
[guardada em véu espesso
Sob a aparência das coisas
Movemo-nos, assim,
[por automatismos diversos e sucessivos,
Em uma cegueira de obscura opacidade
[quanto à nossa essência,
A essência mesma de nosso destino,
[que vem a ser a essência mesma do ser que somos
E que não o sabemos
E que mal tocamos, sequer intuímos
(Desconfiamos, no máximo)
Imersos na ilusão de nós mesmos
Ilusão que elide, elisão que ilude
Viver seria desvelar-se
Saber-se
Conhecer a si
O que a vida, teoria do caos,
[propõe-nos se faça por intermédio do outro
Que nos chega, incessante, a todo momento
O outro, sombra e espelho
[de nossa luminosa presença jamais de todo alcançada
Presença que continuamente nos foge a nós,
[de nós evade, ao galope vertiginoso dos fatos,
Potros chucros a escoicear os currais da realidade
[onde vamos confinados
Imaginamos a liberdade colocada no mundo,
[na ação, na vontade, na escolha, nos desejos...
No entanto, sabemo-nos, de algum modo,
[atados às supercordas de nós mesmos
Ao que somos sem o sabermos
[e o que jamais tocamos plenamente
Por nossos gestos triviais, mundanos
(Senão muito raramente, num breve vislumbre)
Vive-se do que não se sabe
Tateamos às cegas à luz dos dias
E esperamos poder realizar isto ou aquilo
[que nos ajude a sobreviver,
Seguir com uma vida que não se explica de todo
Não obstante repleta de sentido
Um sentido que em nós se oculta
[como a pérola ferida ao interior da ostra
Um sentido que igualmente nos guía
[e confronta a ilusão que nos dirige os passos
Construímos significados para nossas vidas
[à guisa de contornar um sentimento de incompletude
Que nos transborda, mais que invade
O mundo permanece, então,
[como um palco vazio,
Teatro de operações de uma guerra
[de pequenos gestos e pequenos movimentos
(Não raro, violentos, brutais, porém, sutis e algo indiferentes)
Que buscam, inadequados, a nossa grandeza interior,
[o nosso próprio e único sentido,
A singularidade de um destino que se perde pelas ruas,
Um ser que não se acha
Sob o signo do imponderável