Aos poucos, nasce um outro homem
Cujo centro é a ausência
Em meio ao silêncio,
Ao choque do inesperado
Um homem sob as barbatanas do irremediável, o irreparável, o irreversível
Cujo consolo é a sala vazia de um cinema chamado saudade
Um homem com uma fonte nos olhos
De onde brota uma água salobra que descolore o horizonte
Que se derrama a qualquer hora
Em qualquer lugar
(basta que esteja só)
Cuja distração é o trabalho, sua obsessão, sua aplicação, seu torvelinho
Um canto quebrado
Uma harmonia torta
Uma letra morta
Uma alegria defunta
Renasce um bem-estar, mal-quisto
Uma conformação, uma resignação, é visto
Algo estranho, incômodo mesmo
Não obstante, certa zona de conforto
Nasce um morto, talvez
Entregue à própria morbidez
Ou será um moribundo
A caminhar como zumbi pelo mundo?
Algo se passa nessa argamassa de carne, nervos e sonhos
Uma inquietação quieta
Uma perseverança cansada
Uma esperança cética
Um otimismo roto
Nasce um homem novo
Para viver um velho
Cujos botões do agasalho
À guisa de contas
Somam os anos que sobrevivo sem você...