14 de março de 2024 às 16:00
O mito
Comprometer-se com a investigação do sentido humano é algo doloroso, que descarna os sonhos de suas ilusões rudimentares, muita vez sem oferecer qualquer contrapartida senão a condição de ter cumprido a si mesmo na inteireza do seu destino, inclusive sem maiores certezas do aproveitamento daquilo que foi o seu oferecimento e a sua contribuição aos seus e à teia humana em que vamos enredados. Nada é garantido. A vida é caprichosa.

É uma voz íntima, sem palavras, que sopra por nossos ouvidos um entendimento que nos extrapola, mas que, ainda assim, faz sentido para nós mesmos. Vejo com grande embaraço tudo isso, porque não é possível perceber tal realidade subjetiva senão como realidade universal a todo homem e, no entanto, ao longo das eras, se observarmos, o que vemos é uma massa de seres humanos a desperdiçar diariamente as melhores chances de suas vidas em uma existência pautada pela mais estrita e utilitária percepção de sua subjetividade. E é dessa pobreza abjeta, dessa privação dos sentidos simbólicos da existência que nascem, creio, certos valores absurdos e vazios, por sua retumbante exterioridade - tais como bem-estar, felicidade, progresso etc. -, que informam à massa de desavisados que somos tão somente sobre tudo aquilo a que não temos acesso, pois a maioria de nós não tem sequer acesso a si mesma.

A liberdade portanto é um mito. Necessário e inatingível. A escravidão ao contrário é uma realidade incontornável. Circunstante. Contingente. O que cada um de nós, em particular e em conjunto, faremos para superar a distância entre uma coisa e outra é o que efetivamente diferencia e singulariza cada trajetória individual e também a trajetória de cada época. Assim como os gregos são lembrados por sua sabedoria de viver em meio à escravidão e os romanos pela arte da política em face de uma crueldade eloqüente, é possível que sejamos lembrados como a civilização do esquecimento pela pletora de informação acumulada. E sem sentido, muitas vezes.


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