21 de março de 2024 às 16:00
A afasia do outro
O outro (sendo o outro o eu do lado de lá do espelho), neste início de século, via de regra dispensa interesse por relacionamentos aprofundados ou de construção meticulosa. Ler, por exemplo, tornou-se uma atividade ligeira - no máximo, divertida - para grande número de leitores, gente seduzida pela sociedade do espetáculo.

Esse desinteresse básico pela leitura que investiga, de caráter existencial, expressa-se materialmente neste desinteresse crescente pelo outro como fato espontâneo ou desinteressado. Talvez, como em nenhuma outra época da humanidade, as relações humanas, por conseguinte o amor, estiveram tão instrumentalizadas como em nossos pobres dias.

A ojeriza à leitura crítica é apenas a expressão acabada da recusa à percepção do outro, essa sombra sem importância ao fundo de parede de nós próprios. O outro que nos interessa é apenas o outro que existe como função do próprio eu. E a linguagem vê-se incapaz de responder a estes corações fugazes e mentes sagazes que trafegam pela abertura do século XXI.

A Era de Aquário, preconizada pelos hippies nos anos 1960, configurou-se exatamente o oposto do prometido, para surpresa de muitos: tempo de solitários em tela plana submersos ao mar caseiro. Trabalha-se muito. Planeja-se mais ainda. Vive-se de menos. Vastas emoções para pequenos sentimentos. O outro é o objeto do outro. O sujeito esqueceu-se a si em si mesmo, formidável! Em suma, estamos fornicados e sem palavras melhores para dizer isso com a elegância indispensável para faturar o prêmio Nobel. Sugiro a criação do prêmio Ignóbil para aqueles que preferem acentuar erroneamente na pronúncia. Caso de muitos.

Quem leria, hoje em dia, Os irmãos Karamazov aos vinte e poucos anos? E para o quê o leria, afinal, se há, no meio social, um desprezo crescente por indivíduos que cultivam a leitura para fins outros que não o exibicionismo de ocasião? Mundo epitelial. Psicanálise da penugem do rosto. Não há mesmo o que aprofundar ou no que se aprofundar. Há o mar. E é só.

O que são os relacionamentos, hoje em dia? Funções econômicas e sociais. Instrumentos sem alma nem estima nem compaixão. É cada vez mais raro sentir saudade. Saudade de gente é o que quero dizer. Sente-se saudade de coisas, objetos, situações. É ou não é?

Não ler significa não interpretar. A juventude, ao que parece, está achando ótimo pagar o boquete cultural de sua espetacular ignorância acerca da beleza infinita da vida. O prazer, afianço, não é uma submissão efeminada às regras do sindicato das bichas casadas da nova economia. A juventude pasta regada a run com Red Bull e ecstasy.

Eu não sei... alguém podia avisar a esses meninos que eles não precisam necessariamente andar com esse baita pênis norte-americano na boca para parecerem aceitáveis ao sistema. Felatio cultural. Repitam comigo: Den-ZEL! Co-REL! Ca-NNON! Calma. Agora! Rápido! Flirt! Flerte! De novo! Again! Flirt! Flerte! Flirt! Flerte! Internet! Internete! Muito bem, podem lavar as mãos... Não! Não! Só mais um pouquinho, vamos lá! Foot ball! Agora! Futebol! Viram? Há uma tremenda diferença entre suruba étnica, caso brasileiro, e sodomização voluntária do catecúmeno. Não era nada disso o que preconizava o professor Sérgio Cordial. Estejam certos. De novo, vamos lá, todos juntos! Eu dou o cu porque gosto. Eu dou o cu porque gosto. Os norte-americanos não me forçam a nada. Os norte-americanos não me forçam a nada. Muito bem. Podemos escovar os dentes. O quê? Essa substância pegajosa nos lábios, o nome? Rogério Sêmen. Paroxítona. Paroxismo verbal. Marche! Afasia...

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