Ah, aceitar que a vida
É a perda progressiva de nossas ilusões
E, com elas, as esperanças
Que, perdidas, arrastam consigo o entusiasmo
E este, a alegria de viver
Ah, aceitar que todos os amores
Sejam, de fato, retrospectos
Percebidos, apenas, em sua grandeza
Se vistos ao espelho retrovisor do tempo
E nossas mãos, então, apertem em si
O vazio do que se foi para consumar-se em saudade
Ah, aceitar que a morte
Seja, mais que inexorável, necessária
E ainda mais que isso — desejável
Face ao cansaço imenso que sobre nós se abate
À repetição infindável de movimentos mecânicos
Que condenam o homem ao chão de fábrica de si mesmo
Ah, aceitar, aceitar, aceitar
Ah, resignar, tolerar, conceder
Ah, que mais senão compreender
O desencontro entre tudo e todos
Como oportunidades estranguladas no beco
Espontaneidades esfaqueadas na noite
Ah, nossas faces descoladas do rosto
Sombras espúrias de propósitos vencidos
A caminhar a esmo no corpo da multidão
Ah, doer, doer, doer
Sem nenhum sentido absoluto
Sem verdade alguma dependurada ao sorriso
Tão somente sonhos que falem
Vozes que já não falam, senão tartamudeantes
Tolices, banais aliterações do tempo
Onde nos comprime uma informe conformação
Ah, aceitar que a vida é
Um sim seguido de infinitos nãos!