04 de maio de 2024 às 16:00
O símbolo
Algo me cala. De modo profundo. Uma percepção nítida de como tudo se move ao redor, no raio em que me encontro. A comunicação humana é mais subjetiva, muito mais, do que ousei acreditar um dia. Movemo-nos sobre terreno iminentemente simbólico, a ponto mesmo de dizer: o ser é o símbolo encarnado. A singularidade do invidívuo é o resultado mesmo de seu diálogo interior com o mundo arquetípico a que estamos intimamente vinculados e de modo definitivo, inarredável. Só nos resta a ferramenta do diálogo, por mais que a realidade do mundo objetivo nos queira convencer - suprema ilusão - de que nos podemos realizar por atos explícitos de vontade. Pois nem mesmo o alimento básico pode ser obtido, verdadeiramente, sem que haja uma efetiva negociação no universo simbólico. Não explico. Quem quiser que abra o olho. Constato. Nossas vidas se mexem como aranhas capturadas à sua própria teia. A compreensão de que estamos engendrados em um destino complexo que nos excede em tudo e a todos os nossos movimentos de certa forma controla e determina, ofende profundamente a minha crença pessoal na capacidade humana de reinventar-se no aro do tempo. Mas, é assim. Para o bem e para o mal. Isso pouco importa. Tudo que nos resta é um enfrentamento contínuo deste mundo mítico que nos habita e constitui desde as entranhas, pois ali estão os germes de nossas ações objetivas e subjetivas, intenções, desejos, vontades, motivações e tudo mais que em suma move intimamente a vida dos indivíduos, bólidos por princípio desgovernados na medida e proporção do quanto ignoramos a natureza e a força dessa relação desde sempre estabelecida entre aquilo que somos e o que de fato representamos para as constelações de relacionamentos a que pertencemos. Quanto mais pertencemos, mais perdidos estamos para dar conta do próprio papel. Quanto mais tomamos consciência dessa relação, crescem as oportunidades de diálogo.
A interrogação socrática resume-se, em parte, em descobrir o que representamos, que símbolos ardem na combustão de nossa carne, como encarná-los e como sublimá-los com a contribuição singular do fenômeno único que somos, o que pedimos e o que oferecemos para tanto e por tanto. Este diálogo não é opcional, é imprescindível, intransferível e ou nós mesmos chamamos a nós a responsabilidade por esta interlocução improvável ou resultamos mesmo nos joguetes sofridos que muitos de nós terminamos por ser pelo fato de não protagonizarmos as nossas próprias vidas. Paradoxo entre liberdade e contingência. Intenção e circunstância.
Nesta medida, pode-se dizer, o conhecimento, a razão, mesmo o sentido democrático do ordenamento social são conquistas incalculáveis para o espírito humano em favor dos argumentos do diálogo. Porque, se deixar por conta do instinto, não tem conversa. O bicho pega.