25 de junho de 2024 às 16:00
De poetas e artistas
Dizer-se poeta é para mim quase uma heresia ou vitupério, elogio em boca própria. Pode-se dizer escritor, ofício como qualquer outro, mas, poeta? Sei lá! Ninguém, penso, com humildade em gol, mesmo diante de seus melhores versos, deveria chamar-se a si poeta, seria o mesmo que o jogador de futebol dizer-se craque. O que você é? Sou craque. Mesmo quem o é, ao dizê-lo, como o fez o craque Romário, diminui-se enormemente diante de seu próprio talento ou, então, aleija-o com o anabolizante da arrogância. O que você é? Poeta. Fica exagerado, não vai. Porque poesia é estado, jamais ofício. O poeta não é o sacerdote de uma crença que o compensa com o respeito da comunidade ou o cumula com o apreço de seus dessemelhantes. O verdadeiro poeta ama o absurdo da verdade mais que a coerência da glória - e não estou falando da minha cunhada, ahn? - e muito mais ainda do que o conforto de uma posição (êpa!) social.
Há poetas que não escreverão um único verso sequer por toda a vida e, ainda assim, assim o merecem ser tratados pela alta poesia que de seus gestos emana, cotidianamente e de modo contínuo. Bem como há autores de coletâneas poéticas, mesmo antologias de uma vida inteira e o escambau que de forma alguma fazem jus ao reconhecimento que forçam, com a disciplina da mediocridade mais que por benção do acaso, pai social de todo poeta.
Entendo, portanto, que a condição de poeta é mais objeto da contemplação alheia do que da própria; e melhor se adeqüa senão a uma consideração póstuma, ao menos posterior, bem posterior à virtude intensamente provada por anos a fio de exercício. Exercício vital, mais que literário, bem entendido. Machado de Assis [1839-1908], por exemplo, publicou versos em relativa quantidade ao longo de sua carreira literária e alguns de qualidade excelente mesmo, o que não fez dele um poeta, não obstante seja pura poesia a sua arte de contar histórias!
Poetas ovacionados ao início de suas existências via de regra acabam despotencializados (brochas de tudo!) e não raro transformados em caricaturas de si mesmos, figura comuníssima nos meios literário e musical do Brasil.
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Uma outra coisa e que me incomoda é a idéia de que todo artista é exibicionista. A percepção que se tem do exibicionismo e do exibicionista, desde os pequenos burgos, onde nasci e fui criado, até metrópoles provincianas como o Rio de Janeiro, por exemplo, para onde migrei, não deixa dúvida de que se trata de desvio de caráter, deformação. Para mim, que convivi por anos com travestis, na administração de um teatro (quase) do gênero, esta percepção do exibicionista não faz qualquer sentido ou, por outro lado, não tem a menor importância, porquanto não é o grau de exibicionismo que determina a qualidade ou o significado de um artista. É mesmo irrelevante, isto.
A visibilidade na mídia ou na comunidade não substitui o imperativo categórico de ter o que dizer ou mostrar; é na hora dessa apreciação, sempre individual e solitária, do que é dito ou mostrado que se decide à cada geração a quem efetivamente chamar de poeta ou artista, independentemente de nomeações ou emulações. E esta percepção, por sua vez, muda da água para o vinho com o passar do tempo, vide o caso de Olavo Bilac [1865-1918]: reinou absoluto por três décadas na poesia brasileira e hoje é pouco mais que o espectro que assombra o Chico Buarque com a possibilidade de igual destino, ao passo que Augusto dos Anjos [1884-1914], com suas esquisitices de um livro só, é voz corrente e mesmo de grande atualidade entre os jovens. Melhor, portanto, guardar-se de todo exagero. Poeta é sempre o outro! Artista é o meu cunhado, aquele sim! Sinceramente! Ou o meu sobrinho!... Ou o...