16 de setembro de 2024 às 00:00
3X4 do artista quando nato (para Cláudio Gabriel, o Batata) I

I


vejo um homem
que caminha
sobre par de pernas
ligeiramente arqueado; cruzo
com ele em frente
à calçada de um quartel:
seus passos precipitam-se
determinados, rumo ao nada;
vai com ímpeto
possui o adestramento varonil
de um soldado raso
e um ignorar o mundo
só comparável ao dos sargentos;
passa por mim este homem jovem, tem a barba
inda rala a desfigurar-lhe
o semblante de menino
              - olhos de um mel faiscante -;
tranca os lábios, amassa-os,
franze o senho, confrange-se,
tudo isto para fazer-se
duro, pesado;
convencer-se de que é um general;
quiçá, o Canabarro.

II


jogo meus pobres olhos ao alto
em direção à lona estendida;
a clabóia ao centro circunda o mastro
faz escandir o azul e o amarelo
como fosse o circo
a aurora do homem;
deixo-os, em queda livre,
tocar o chão do picadeiro,
onde um palhaço de meia-tigela,
um toni de araque,
vaza à platéia sua alma
pueril e singela,
sincera alma de ator;
o ator - aquele
que mente, despudoramente,
em busca da verdade possível
nos olhos daqueles
que, como eu, ocupam
as arquibancadas do mundo;
entre histrionices desajeitadas
e um ou outro acerto
nas gagues, vai
arrancando de nós,
a maioria crianças feito meu par de olhos,
o riso fácil do pastelão:
futuca a bunda grande
de sua parceira, salta
carniça sobre ela,
finge-se de morto,
ri feito uma chave de ignição
que não vira,
e faz-me, por momentos,
perceber o ridículo de tudo
levado demasiado a sério,
registra, por gestos
leves e caricatos,
o desejo humano de ser simples
              (mais até que ser)
e sai a cantar
como o mais novo palhaço
da praça; talvez,
o palhaço Batata.

III


estou com meu amigo à mesa do bar,
nas calçadas de Vila Isabel;
melodias eternas
de nossos melhores instantes,
como povo e como gente,
desaparecem tragadas
pelo maltrato do passeio
que reproduz seus compassos;
no entanto, nós,
brasileiros deserdados,
entre um chope
e uma lágrima
de decepção pelo amor
que se esboroa,
lapidamos a memória
de um sambinha à-toa,
apenas pelo hábito
que cultiva o riso
e a definitiva certeza
de que a vida não vale a pena
e o penar menos ainda,
pois a madrugada é linda!
a noite, uma criança!
eu, o seu brinquedo!
a vida, um poema...
meu amigo,
ébrio de sua própria felicidade
íntima, derrama ternura,
feito éter, pela atmosfera do bairro
fazendo úmido o manto da noite,
tem a expressão gaiata
dos bêbados de cigarro amassado na boca
e os olhos premidos
de quem contempla estrelas
longínquas ao firmamento
              (mas, que estão dentro dele,de fato);
seus passos, porém,
hesitam, claudicantes,
entre artérias possíveis
ao longo das avenidas do mundo;
vê-se envidado a tomar um rumo,
embora decidir não seja o seu fraco
              (nasceu menos para errar e
              mais para ser errante),
contudo, se a cidade é grande,
seu coração não é menos pequeno:
vai o meu amigo,
ao sereno,
em busca de céus e infernos;
pára, feito Jânio às portas do Planalto,
e indaga a seus pés tortos
o caminho a seguir;
sorri, em seu silêncio, sorri,
talvez a recordar seus mortos,
e a compreender
que por mais que vá
e vá e vá e vá...
homem algum tem aonde ir

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