20 de setembro de 2024 às 00:00
Casamata dos afetos
mudo móveis de lugar
retiro retratos da parede
pinto portas troco trincos
mas por todo canto
tua presença paira
vertiginosa, absoluta
não é bem a casa que habitas
é minha saudade que
de ti se ocupa, sem cessar
a buscar-te, inquieta,
de onde te foste
e que em vão procuro:
em nada estás
em tudo estás
eis da morte o mistério
permanente ausência
presença eterna
contudo, é de notar,
tua voz em silêncio
ecoa pela casa,
ainda espero por ti
na porta que não se abre
sigo só, na paisagem nova
teus frutos vicejam à luz da vida
e neles meus olhos, saudosos, te buscam
a infância que beija teu retrato
amigos que diariamente te celebram
eis todo o conforto
saber-te tão amada
nos céus da memória
essa gente que não te esquece, ó mãe
porque não te quer esquecer
lembra-te com alegria
o que me faz sorrir
com lágrimas persistentes nos olhos...
aos poucos, porém, bem aos poucos
os dias ensinam uma nova matéria
lições do tempo impõem sua lógica natural
e da casamata do coração,
sobrevivente e por resignação,
vai-se, igualmente aos poucos,
aceitando o inelutável
o inevitável destino comum dos homens
sob o pó dos dias,
resiste apenas a história
que se não cansa de contar