07 de outubro de 2024 às 00:00
Tudo tu burocratizas
Tudo tu burocratizas
Mesmo esta paixão bancária
Mesmo o ir e vir ao banco
À espera de um sorriso branco
E a idéia nua, porém metódica,
que fazes daquele corpo oculto
em um tailleur marinho

Logo, muito logo, obriga-te a algo, qualquer
Algo desnecessário e âncora apenas
Para o que sentes e se te pareces, sempre, impróprio
                   - como desejar aquela moça, por
                   exemplo, invenção da graça
Mas que não é em ti, em absoluto, urgente

Que paixão, pois, é esta se não urge,
                   eu te pergunto, desconfiado?
Inventas, pois - eu digo
Inventas, inventas tudo
Só por medo, muito medo do que existe!
Mas tudo isto, que inventas, está,
como sempre esteve em ti,
longe, muito longe da entrega toda,
desprovida e cálida
Que se deve e pode esperar do que é,
por si, desesperado

Não, não és franco
Como imaginas que a paixão seja
És feminino e dissimulado
Sem impulso beijas!
Fazes o amor consternado
Como um animal educado
Cumpres ritos, obrigações, serviços
Sepultas em ti o bicho indispensável
ao instinto do afeto
Aceita-te terrível objeto
                   - que infame e triste é assim
                   um coração!

Serves, no íntimo - eis a tua especialidade:
Serves, com indisfarçável servilismo,
                   [a todos os desejos que te pedem
                   passagem
Não podes dizer não
Não sabes dizer não
Não suportas a idéia de ter dito não
Ao que quer que seja

Pecas, pois, o pecado de teus pesadelos
Desmereces tuas qualidades
Envileces o caráter
Mostra-te o tíbio quando serias o sensato
Revela-te o hesitante quando serias o prudente
O complacente ao se querer generoso
O desafortunado quando venturoso
Algo de errado, portanto, persegue
                   [a sombra tua que escorre ao meio-fio
                   das calçadas
Um lusco-fusco te confunde e,
Ao cair da tarde, te funde
                   [à casca das árvores
Algo de ninja neste espírito
                   [tão irremediavelmente oculto
                   e penumbroso

Mostra-te, criatura, eu te imploro!
Vem à luz! deixa a marca do rosto
                   [à paisagem que se esvai no tempo
Circunscreve, delimita, aceita
                   [ser o ser que morre, inapelável
Cresce com as horas
Encolhe com a noite
Vai, por fim, deitar à terra
A melhor das cobertas
Leva teu sim e teu não, decididos
Sem medo erra, arrisca, erra! erra!...

Não morre menos, alguém precisa
                   [berrar aos teus ouvidos,
                   aquele que não viveu
Antes, morre mais, muito mais!
Quem mais se arrependeu
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