9 de Julio | Primeira abordagemA Nueve de Julio é anterior a tudo para mim no âmago do meu imaginário em relação à Argentina e Buenos Aires. Se havia no mundo um lugar que gostaria de pisar, desde pequeno, era a 9 de Julio. Assim que tomei conhecimento de sua existência, lá, talvez, pelos onze ou doze anos de idade, a ideia de suas nove pistas em cada sentido me fascinou, a avenida mais larga do mundo... claro, esse fascínio tinha tudo a ver com os dedos de pedra na garganta que sufocam o lindo e estreito vale friburguense, onde nasci e cresci, curiosamente com um amplo sentimento cosmopolita que guardava sua antiga população de imigrantes... anterior aos atuais carros de funk e a chegada das mazelas metropolitanas aos nossos morros outrora verdejantes... Naquela Nova Friburgo bucólica, quando os centenários eucaliptos da praça não ameaçavam cair, como hoje, quando eu podia com minhas pequeninas mãos, de braços dados com mamãe, tocar o orvalho congelado da noite nas folhas azuis das hortências aos canteiros molhados, a ideia de amplidão já era uma questão importante para mim, aliás, aquela praça desenhada por Glaziou (enorme aos meus olhos de criança) era o meu consolo, o mesmo, contudo, já não acontecia na avenida Alberto Braune, que nunca me convenceu como avenida principal... Avenida, para mim, canhestro e tacanho habitante de uma cidadezinha no fundo de um vale hermoso e acolhedor, era a Rio Branco, a Presidente Vargas, na mítica cidade do Rio de Janeiro, lugar de tudo que era bom na vida... Isso, até saber da Nueve de Julio. Aí, caiu a casa. Acabou o mundo. Nada mais podia se comparar em mim à 9 de Julio. Nem queria. Guardei no fundo do coração, leito sagrado dos desejos, o meu amor por aquela rua desconhecida. Será que a pisaria um dia? Sou tão fraco de desejos, tão levado pela correnteza da vida, peixe pequeno... será? E agora eu estou aqui, de dentro da van que nos capturou ao Ezeiza, avançou pelas autopistas rumo ao centro, e entra na 9 de Julho. Sou eu. Um cara de 54 anos de idade, com mulher, filha e namorado da filha de 17 anos a tiracolo, sozinho com todos eles mais o motorista ao derredor, de volta ao garoto perdido no início da minha adolescência, que sonhava adentrar a maior avenida do mundo e exclamar baixinho: eu sempre quis estar aqui com você, ruazinha linda do meu coração, e agora eu estou aqui... Fiz uma série de fotos com o meu telefone (como compreender essa frase quando eu tinha doze anos de idade?! Glup!... Nem os Jetsons faziam isso, àquele tempo) da janela da van, que corresponde propriamente ao meu espanto infantil diante do colosso de engenharia portenha, uma ideia de que o mundo pode e deve ser largo, grandioso, generoso, uma ideia de que as pessoas podem e merecem viver com espaço, arejamento e que isso provavelmente beneficia a alma das criaturas em geral, incluindo os pardais habitantes do amplo local de trânsito, no coração da cidade. Obviamente que não passei dos 12 aos 54 estudando em detalhes a arquitetura da 9 de Julho, ela ficou em mim como uma pirâmide egípcia, um enigma da infância, apenas um desejo entre tantos que carrego guardados comigo, de modo que mi ojos já podiam constatar ali realidades insuspeitadas, como, por exemplo, o fato de que havia uma carga de humanidade em sua concepção que não me ocorria de forma alguma, suas alamedas arborizadas, seus espaços para o pedestre sentar-se à sombra das árvores e simplesmente morrer ali, entregue a si mesmo, sob o conforto de um urbanismo que concebe o homem como vetor de força de sua imaginação, um lugar para pássaros, gente e mesmo gente como eu, meio deslocada no mundo harmônico das grandes avenidas, a atravessar desconfiado os sinais nos longos cruzamentos... Meus olhos não cabiam por trás das lentes dos óculos, esbugalhavam-se, alegres e emotivos, eu que intimamente sou dado a chorar por qualquer porcaria, deixei correr o brilho de umas lágrimas avulsas pelo canto dos olhos. Ninguém ali notou, estavam entretidos também com o seu próprio deslumbre, cada um tem o seu, ainda bem, não? Eu transbordava por dentro, era uma pequena alucinação satisfeita, epifania, uma dentre tantas das mulheres que desejei e não tive nessa vida, se apresentava ali, naquele instante, ao esplendor dos meus olhos, em uma tarde quente de céu limpo e azul. Eu voltaria à noite para me entender melhor com a minha musa... |
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